Projeto para o concurso Kaira Looro de 2021; realizado em conjunto com Barbara Brogim, Flavia Braga, Luisa Barone e Luiza Mattos.
"À todas as belas mulheres, que se procuram, em busca de ser mae-irma-filha, que se dão conta de que sao um verdadeiro refugio umas para as outras e que percebem que estão juntas para, um dia, encontrar seu lar"
Clarice Pinkola
O concurso de arquitetura Kaira Looro realiza editais sempre destinados ao mesmo lugar: A vila de Baghere, Sedhiou, Senegal. A proposta do ano de 2021 pautava-se na realização de uma Casa de mulheres, um lugar que contemplasse diferentes atividades e pessoas; espaço de conforto, chegada e permanência. O concurso frisa o olhar para a arquitetura como agente social e simbólico. E foi a a partir desta arquitetura simbólica que o conceito do projeto esboçou-se; e, mais ainda, a partir da importância e signo de uma Casa de Mulheres em um contexto mundial no qual ela faz-se tão necessária. A potência da união feminina é ponto de partida do projeto. E para isso, assumimos a circularidade como lugar de hospitalidade e força do feminino. A simbologia também se fez presente na materialidade construtiva do projeto: tijolos de adobe - com 10% de concreto para resistência - que permitem o molde circular da proposta; telhado em ripas de madeira e cobertura em sapê reforçado, algo comum às casas da região. Além de ser uma premissa do concurso o uso de materiais sustentáveis, o uso da terra é intimamente ligado a figura da mulher: do mesmo barro que nasce a casa, nasce fauna e flora. É dessa confluência de símbolos que faz-se a Casa de Mulheres. A circularidade aparece no projeto como estrutural; alude à noção do acolhimento, da igualdade e da mulher. A proposta traz, não à toa, o deslocamento das partes desse círculo a criar uma nova relação do espaço interno com o externo. O que antes era um, agora são dois: cria-se um ambiente permeado por um pátio interno. Fruto desse descolamento, ele atua como espaço unificador e adaptável a diferentes usos. Para além de seu caráter intermediário e agregador, o pátio central promove uma ventilação interna importante ao conforto térmico, também auxiliado pelo uso da terra como isolante térmico e telhado alto e de largo beiral possibilitando fluxo de ar cruzado.
A demanda de multifuncionalidade sempre esteve em destaque durante o processo projetual. A proposta de fechamento das portas pivotantes atua nesse sentido: a diversidade de usos dessa vedação possibilita o desenho de diferentes fluxos e a adaptação do espaço às suas necessidades. O uso das capulanas surge, em parte, como uma resposta visual e simbólica, na medida em que traz a beleza e a cultura das cores para o projeto; mas também, como solução para a multifuncionalidade: a presença dos tecidos em uma só das faces permite a composição de diferentes cenários. Priorizando a autoconstrução como parte do processo criativo, a repetição de formas conhecidas fez-se desejável. Diante disso, desenvolvemos um telhado cônico que viabilizasse o uso de treliças de mesma dimensão. Ademais, a escolha do formato não convencional, um cone invertido, se deu pela maior eficiência no que diz respeito à captação de água - que ocorre em um único ponto. Descolado da construção e com beirais, o telhado promove ventilação e sombreamento - essenciais para períodos de calor e incidência solar - e atua como uma vultosa copa de árvore. O projeto é uma conversa entre o que propõe e o que lhe é proposto. Busca técnicas e formas já conhecidas e enraigadas na cultura de Baghere - uso da terra, circularidade da moradia e telhado cônico - para, então, redesenhá-las e explorar outra relação com o espaço, agora múltiplo. Um novo olhar sobre aquilo que já existe, através de uma lente sustentável.